Governo
quer nova política de saúde mental; especialistas criticam manicômios
- 09/09/2017 08h34
- Brasília
Helena
Martins – Repórter da Agência Brasil
Fachada
do Colônia, conhecido com o maior hospício do Brasil. Hoje, o local abriga o
Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG) e conta com mais de 1 mil
pacientes em regime de internação de longa permanênciaReprodução/TV Brasil
Exclusiva: o que pensam nossos vereadores sobre a
loucura em Parauapebas?
Em todo o Brasil, 18,6 milhões de pessoas (9,3% da
população) sofrem com distúrbios relacionados à ansiedade. Já 11,5 milhões
(5,8% do total) são afetadas pela depressão, segundo dados da Organização
Mundial da Saúde (OMS), que coloca o país no topo da lista de maior
prevalência da doença, na América Latina. Apenas em 2015, foram registrados
oficialmente cerca de 12 mil suicídios no Brasil.
Apesar de ser
um problema grave de saúde pública, a subnotificação nos
registros de casos de doença mental, a baixa ocupação de leitos específicos e
erros na gestão dos recursos são problemas apontados pelo Ministério
da Saúde como recorrentes no país.
Relatório sobre a Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) elaborado pelo Ministério da Saúde mostra que R$ 185 milhões aportados
para financiar serviços nessa área, nos últimos dez anos, não foram aplicados.
Cerca de 16% dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) – 385 de um
total de 2.465 – não registraram atendimentos nos últimos três meses. Já
metade dos 1.164 leitos destinados à internação de pessoas com doenças mentais
em hospitais comuns não tem registrado ocupação, enquanto 44 hospitais
psiquiátricos tiveram atendimento acima da capacidade.
Diante desse quadro, o Ministério da Saúde anunciou
a criação de um grupo de trabalho que será formalizado neste mês. O anúncio foi
feito durante reunião da Comissão Intergestores Tripartites (CIT), instância
que reúne representantes do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde
(Conass) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems),
além de gestores do próprio Ministério da Saúde.
Segundo o coordenador de Saúde Mental, Álcool e
Outras Drogas do ministério, Quirino Cordeiro Junior, o objetivo é aprimorar o
diagnóstico e propor medidas para que os serviços sejam ofertados com mais
efetividade e otimização de recursos.
Organizações como a Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) criticam a
situação da assistência pública à saúde mental e avaliam que a
área “passa por fase caótica”.
Em balanço divulgado neste ano, as
organizações apontam a sistemática redução do financiamento para a área e
pedem a ampliação da rede de atenção. Os rumos que serão
adotados no caso de uma possível alteração da política de atendimento em
saúde mental gera preocupação entre especialistas.
Manicômios
Para algumas entidades, os números apresentados
sobre a ocupação de leitos podem servir para estimular a abertura de vagas em
hospitais psiquiátricos, os chamados manicômios.
Questionado sobre o tema, Cordeiro Junior, do
Ministério da Saúde, disse que não há proposta oficial de expansão das vagas
nesses hospitais, mas que é preciso repensar essa ocupação.
De acordo com ele, desde 2013, quando as vagas em
hospitais gerais foram criadas, houve cerca de 10% a 15% de ocupação,
entretanto, o ministério repassou aos hospitais financiamento referente à
utilização plena dos leitos.
Saiba Mais
“Nem o Ministério da Saúde nem outras entidades
fizeram proposta sobre isso”, disse, referindo-se aos manicômios. O que é
preciso, segundo o coordenador, é ampliar a discussão sobre o atendimento,
com vistas à melhoria.
Em nota, o Conselho Nacional de
Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais
de Saúde (Conasems) “ratificam o compromisso com os princípios da reforma
psiquiátrica brasileira” e avaliam “como positiva e necessária a reflexão e o
debate acerca da evolução da saúde mental no Brasil”. Os conselhos
integrarão o Grupo de Trabalho Tripartite criado pelo Ministério da Saúde e que
deve iniciar as atividades em setembro.
A vice-presidente da Associação Brasileira de
Saúde Mental (Abrasme), Ana Pitta, teme retrocessos na
abordagem, com o retorno dos hospitais psiquiátricos para o centro da
política.
Ela lembra que a ditadura militar adotou o
“enclausuramento, a prisão e a exclusão como modelo de
funcionamento, criando a indústria da loucura no país”. Naquela
época, a repercussão de casos como o do Hospital Colônia, em Barbacena
(MG), onde morreram 60 mil pessoas entre 1903 e 1980, fortaleceu
a crítica da sociedade aos manicômios. No contexto da redemocratização,
houve a fundação do Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental
(MTSM) e depois do Movimento de Luta Antimanicomial.
Reforma psiquiátrica
A abordagem foi definitivamente alterada em
2001, quando foi aprovada a Lei nº 10.216, que
modifica o modelo assistencial em saúde mental, tendo como base as premissas da
reforma psiquiátrica, com destaque para a atenção de base
comunitária, com a menor intervenção possível. Embora os
manicômios não tenham sido proibidos, houve um
redirecionamento. A lei fixa que “a internação psiquiátrica
somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os
seus motivos” e que a permanência de um mesmo paciente fica limitada a
sete dias corridos ou a dez dias intercalados, em um período trinta dias.
O coordenador do Grupo de Pesquisa Saúde
Mental e Sociedade, Marcos Roberto Vieira Garcia, relata que
a abordagem da política de saúde mental do Brasil vem sendo
elogiada no mundo todo. “Os hospitais psiquiatros foram
historicamente denunciados por violações de direitos humanos de todos os
tipos”, lembra Garcia, que é professor da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar).
Segundo ele, pesquisa realizada em 2014, em São
Paulo, revelou que mais de 1 mil pacientes moravam há mais de trinta
anos nessas instituições. “Isso em um país em que a prisão máxima é de
trinta anos. É isso que as pessoas querem reproduzir?”, questiona.
“Temos que pensar essa política dentro
de uma visão mais geral de sociedade, que é a de inclusão. Manicômios não
são locais de tratamento, são locais exclusivamente de exclusão”, critica o
professor que tem acompanhado a desinstitucionalização de pessoas que moraram
por anos em hospitais psiquiátricos em Sorocaba (SP), uma das poucas cidades
brasileiras que ainda tem quatro manicômios em funcionamento.
Recursos
A vice-presidente da Associação Brasileira de
Saúde Mental, Ana Pitta, destaca
que a abordagem comunitária é a que orienta experiências
exitosas, como a do Canadá, da Holanda e da Itália. No caso do Brasil, na
avaliação dela, “o problema central da política de saúde mental é o
desinvestimento brutal ocorrido nos últimos três anos”.
“Nós tivemos um momento de apogeu com a aprovação
da lei, em 2001, fomos crescendo em termos de cobertura assistencial do
país, chegando a todos os estados com os Caps, um elemento
organizador territorial que é estratégico para que possamos
fazer a transição dos manicômios para a abordagem comunitária”, avalia.
Desde 2010, contudo, houve redução de
aportes, o que inviabiliza, na opinião da especialista, a efetivação de
ações de controle, avaliação e qualificação de recursos humanos.
Na avaliação do coordenador de Saúde Mental, Álcool
e Outras Drogas do Ministério da Saúde, o problema está na implementação dos
recursos disponíveis. De acordo com o governo, em dez anos, a pasta
repassou mais de R$ 185 milhões para financiar serviços que não foram
concretizados. O orçamento federal destinado à saúde mental é de R$ 1,3 bilhão
por ano.
Edição: Lílian
Beraldo