Por que
algumas pessoas são mais criativas que outras
Cérebros criativos têm ligações diferentes.
PorRoger BeatyTraduzido porMarina Schnoor
Jan 22 2018,
11:00am
Margaret Vincent/Stocksy.
Matéria
originalmente publicada no Tonic .
Criatividade geralmente é
definida pela habilidade de ter ideias novas e úteis. Como a inteligência, ela
pode ser considerada um traço que todo mundo — não só “gênios” criativos como
Picasso ou Steve Jobs — possui.
Não é só sua habilidade para
fazer um desenho ou criar um produto. Todos nós precisamos pensar criativamente
no cotidiano, seja bolando como fazer o jantar usando as sobras de ontem ou
improvisando uma fantasia de Carnaval com as roupas que você já tem no armário.
Criatividade varia do que os pesquisadores chamam de criatividade “c pequeno” — fazer sites, criar um
presente de aniversário ou pensar numa piada engraçada — para criatividade “C Grande”: escrever um discurso,
compor um poema ou bolar um experimento científico.
Pesquisadores de psicologia e
neurociência começaram a identificar os processos de pensamento e regiões do
cérebro envolvidas na criatividade. Evidências recentes sugerem que a
criatividade envolve uma interação complexa
entre pensamento espontâneo e controlado — a habilidade de fazer uma brainstorm
de ideias e as avaliar deliberadamente para determinar qual pode realmente dar
certo.
Apesar desse progresso, a resposta
para uma questão continua particularmente elusiva: O que torna algumas pessoas
mais criativas que outras?
Num novo estudo, meus
colegas e eu examinamos se a habilidade de pensamento criativo de uma pessoa
pode ser explicada, em parte, por uma conexão entre três redes cerebrais.
No estudo, 163 participantes
completaram um teste clássico de “pensamento divergente” chamado tarefa dos
usos alternativos, que pede que as pessoas pensem em usos novos e incomuns para
objetos. Enquanto completavam o teste, as pessoas passavam por um
eletroencefalograma, que media a atividade nas partes do cérebro.
A tarefa acessa a habilidade das
pessoas de divergir dos usos comuns de um objeto. Por exemplo, no
estudo, mostramos aos participantes diferentes objetos na tela, como uma
embalagem de chiclete ou uma meia, e pedimos que eles pensassem em jeitos
criativos de usá-los. Algumas ideias eram mais criativas que outras. Para a
meia, um participante sugeriu usá-la para aquecer os pés — um uso comum para
uma meia — enquanto outro sugeriu usá-la como um sistema de filtragem de água.
Mais importante, descobrimos que
as pessoas que se saíam melhor na tarefa também tendiam a relatar ter
conquistas e hobbies mais criativos, o que é consistente com estudos anteriores
mostrando que a tarefa mede a habilidade de pensamento criativo geral.
Depois que os participantes
completavam a tarefa de pensamento criativo no eletroencefalograma, medimos a
conectividade funcional entre todas as regiões do cérebro — quanto uma
atividade em uma região se correlacionava com atividade em outra.
Também ranqueamos as ideias por
originalidade: usos comuns receberam notas mais baixas (usar a meia para
aquecer seu pé), enquanto usos mais incomuns recebiam notas mais altas (usar a
meia como um sistema de filtragem).
Aí correlacionamos as notas de
criatividade de cada pessoas com todas as possíveis conexões do cérebro
(aproximadamente 35 mil) e removemos as conexões que, segundo nossa análise,
não se correlacionavam com as notas de criatividade. As conexões restantes
constituíam uma rede “altamente criativa”, um conjunto de conexões altamente
relevantes na geração de ideias originais.
Duas renderizações mostrando os lobos cerebrais que se conectam em redes
altamente criativas. Cortesia do autor.
Tendo definido a rede, queríamos
ver se alguém com conexões fortes nessa rede altamente criativa tinha uma boa
nota nas tarefas. Então medimos a força das conexões da pessoa nessa rede, e aí
usamos modelagem preditiva para testar se poderíamos estimar a nota de
criatividade de uma pessoa.
Os modelos revelaram uma
correlação significativa entre notas de criatividade prevista e observada. Em
outras palavras, podíamos estimar quão criativas as ideias de uma pessoa seriam
baseadas na força das conexões dela nessa rede.
Depois testamos se podíamos
prever habilidade de pensamento criativo em três novas amostras de
participantes cujos dados cerebrais não foram usados para construir o modelo de
rede. Em todas as amostrar, descobrimos que conseguíamos prever — apesar de
modestamente — a habilidade criativa de uma pessoa baseada na força das
conexões nessa mesma rede.
No geral, pessoas com conexões
mais fortes tinham ideias melhores.
Descobrimos que regiões do
cérebro dentro da rede “altamente criativa” pertenciam a três sistemas
cerebrais específicos: as redes padrão, saliente e executiva.
A rede padrão é um conjunto
de regiões cerebrais que se ativam quando a pessoa está envolvida em pensamento
espontâneo, como deixar a mente vagar, sonhar acordado e imaginar. Essa rede
pode ter um papel-chave na geração de ideias ou brainstorm — pensar em várias
soluções possíveis para um problema.
A rede de controle executivo é um conjunto de
regiões que se ativam quando a pessoa precisa se focar ou controlar seus
processos de pensamento. Essa rede pode ter um papel-chave em avaliação de
ideias ou determinar se as ideias da brainstorm vão realmente funcionar, ou as
modificar para se encaixarem no objetivo criativo.
A rede saliente é um conjunto de regiões que agem
como um interruptor entre as redes padrão e executiva. Essa rede pode ter um
papel-chave em alternar entre geração e avaliação de ideias.
Uma característica interessante
dessas três redes é que elas tipicamente não se ativam ao mesmo tempo. Por
exemplo, quando a rede executiva é ativada, a rede padrão geralmente é desativada.
Nossos resultados sugerem que pessoas criativas conseguem coativar mais redes
cerebrais que geralmente trabalham separadas.
Nossas descobertas indicam que o
cérebro criativo tem “ligações” diferentes e que pessoas criativas são melhores
em engajar sistemas cerebrais que tipicamente não trabalham juntos. Mais
interessante, os resultados são consistentes com estudos de eletroencefalograma
de artistas profissionais, incluindo músicos de jazz improvisando melodias, poetas escrevendo novos trechos de poemas e artistas plásticos rascunhando ideias
para a capa de um livro.
Mas pesquisa é necessária para
determinar se essas redes são maleáveis ou relativamente fixas. Por exemplo,
ter aulas de desenho leva a uma conectividade maior dentro dessas redes cerebrais?
É possível aumentar a habilidade de pensamento criativo geral modificando a
conexão dessas redes?
Por enquanto, essas questões
continuam sem resposta. Como pesquisadores, precisamos engajar nossas próprias
redes criativas para descobrir como respondê-las.
Roger
Beaty é doutor em neurociência cognitiva da Universidade de Harvard. Esse
artigo foi publicado originalmente no The Conversation
. Leia a matéria original aqui .
https://www.vice.com/pt_br/article/ev59g7/pessoas-mais-criativas