O que é a
'contabilidade mental' pela qual Nobel de Economia explica como nossos gastos
são irracionais
- 12 outubro 2017
A teoria de Richard H. Thaler analisa como sua mente por te enganar ao
tomar um financiamento no banco, na hora de fazer compras na promoção e na
organização do orçamento familiar.
Você vai pedir um financiamento e calcula quanto
terá que pagar todo mês. Não presta atenção na taxa de juros que estão te cobrando,
não tem tempo de refletir e simplifica sua análise para satisfazer uma
necessidade imediata.
Você se pergunta: Posso pagar a conta? Se a
resposta é positiva, então o assunto está resolvido.
Digamos que você pediu crédito, pagou o que
precisava e sobrou parte do dinheiro. Você entra na internet e vê que há uma
promoção de até 50% na compra de um telefone. Você compra e, no final, nem
analisa se a redução realmente deixou o produto mais barato que o preço médio
de mercado.
Ou algo mais simples: você trabalha como autônomo,
consegue ter um salário, mas não te sobra um percentual para aposentadoria.
Em todos esses casos, você toma uma decisão
financeira irracional motivada por uma necessidade imediata.
As decisões econômicas são frequentemente tomadas
com um "foco" específico, que simplifica as análises sem considerar
todas as alternativas e consequências.
Em todos esses casos é aplicável a teoria da
"contabilidade mental", criada pelo norte-americano Richard H.
Thaler, ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2017, que se dedica ao campo da
economia comportamental - disciplina que tem permitido construir pontes entre
os achados psicológicos na tomada de decisões e as ciências econômicas.
A Real
Academia Sueca de Ciências disse que seu trabalho na área de economia do
comportamento teve um 'impacto profundo'
Os estudos de Thaler questionam, por exemplo, a
crença das teorias econômicas tradicionais de que os homens são seres
racionais, que tomam decisões calculando custos e benefícios.
Ele criou um esquema de análise que descreve como
organizamos e tomamos decisões criando contabilidades diferentes na nossa mente
que nos enganam e que, muitas vezes, nos fazem perder dinheiro.
Pior escolha
Conforme os achados de Thaler, diante de duas
opções postas, somos propensos a optar pela pior alternativa. E isso é
explicado por hábito e falta de tempo para refletir.
Por exemplo, embora tenhamos acesso a informações
sobre alimentos saudáveis, ainda assim, frequentemente, escolhemos fast food.
Pressa, hábito e comodidade nos empurram, neste caso, a optar pela opção mais
prejudicial à saúde.
Pesquisas de consumo mostram que expor alimentos
saudáveis em prateleiras mais altas nos supermercados aumenta a venda. Ou seja,
independentemente de qualquer discussão sobre obesidade e saúde, as pessoas
acabam se inclinando a comprar os alimentos que estejam na linha de visão
delas.
Em alguns
casos, as decisões com "racionalidade limitada" podem levar as
pessoas à falência por pensarem só no presente.
Usando a irracionalidade para gerar decisões
racionas
O novo ganhador do prêmio Nobel é coautor do best
seller mundial Nudge, lançado no Brasil com o título Nudge: o
Empurrão para a Escolha Certa.
Tendo identificado a forma como, em geral, as
pessoas raciocinam ao tomar decisões, Thaler argumenta, em seu livro, que é
possível estabelecer uma espécie de "arquitetura da escolha", para
facilitar o reconhecimento das melhores opções.
Assim como empresas se utilizam dos achados da
economia comportamental para atrair pessoas a comprarem seus serviços e
produtos, os consumidores podem usar esse conhecimento para evitar decisões
ruins.
No livro, Thaler dá uma série de exemplos de
escolhas precipitadas que os consumidores tomam.
Por exemplo, se uma pessoa recebe US$ 1.000 por seu
trabalho ou US$ 1.000 na loteria ou de um reembolso fiscal, gastará esse
dinheiro de maneira distinta, ainda que seja o mesmo valor.
As pessoas tendem a gastar de maneira mais
impulsiva dinheiro vindo de uma fonte imprevista. Segundo Emiliano Díaz del
Valle, diretor-geral do Instituto Mexicano de Economia do Comportamento, isso
explicaria porque, quando uma pessoa recebe um reembolso fiscal, ela aumenta
seu gasto em bens de consumo, como roupa ou diversão.
Direito
de imagem Getty Images Image caption O trabalho de Thaler tem contribuído para
a adoção de políticas públicas voltadas a incentivar as pessoas a pouparem.
Thaler mostra que também somos influenciados pela
forma de pagamento. As pessoas tendem a gastar mais em um supermercado se
utilizar cartão de crédito ou débito em vez de dinheiro vivo, embora a fonte
dos recursos seja a mesma.
Outra pesquisa do ganhador do Nobel revela que as
pessoas são mais propensas a doar parte do salário para a caridade se souberem
que seus conhecidos e amigos fazem o mesmo.
O estudo revelou aumento significativo de adesões
quando os profissionais eram informados de que seus amigos ou colegas também
doam. Ou seja, tendemos a gostar de fazer o que nossos amigos gostam de fazer.
Uso do conhecimento em políticas públicas
Entender como as pessoas tomam decisões pode ajudar
não apenas os próprios consumidores, mas também a formulação de políticas
públicas.
Segundo Emiliano Díaz del Valle, os estudos do
ganhador do Nobel são tão influentes que têm sido usados nas áreas da saúde,
trabalho e educação.
"O trabalho de Thaler tem sido fundamental na
implementação de novos programas para ajudar as pessoas a pouparem de maneira
voluntária", diz Díaz del Valle à BBC Mundo.
Escolha
de Thaler para o Nobel foi recebida com especial entusiasmo por um amplo número
de pessoas que veem, em seu trabalho, uma contribuição substancial para a
compreensão sobre o comportamento dos seres humanos.
O ex-primeiro-ministro de Reino Unido David
Cameron, por exemplo, montou em 2010 um time de especialistas em economia
comportamental voltado a criar incentivos para que as pessoas paguem impostos.
Jogo de pôquer
O ganhador do Nobel também contribuiu para o
entendimento das pessoas sobre economia participando do filme A Grande
Aposta (The Big Short, em inglês), onde explica, com o uso de uma
analogia ao jogo de pôquer, como funcionam as bolhas hipotecárias que
desencadearam a grande crise financeira de 2007.
O talento em difundir conceitos e decisões
econômicas de forma criativa e compreensível ajuda a explicar porque a entrega
do Nobel a Thaler foi recebida com especial entusiasmo por estudantes, acadêmicos,
políticos, psicólogos e um amplo número de pessoas que veem, em seu trabalho,
uma contribuição substancial para a compreensão sobre o comportamento dos seres
humanos.
Tendo acabado de receber a notícia do prêmio,
Thaler contou ao editor de economia da BBC Kamal Ahmed que sua missão era
"incluir seres humanos" na teoria econômica.
Perguntado como iria gastar a considerável soma de
US$ 1,1 milhão que ganhou com o Nobel, ele deu uma resposta sucinta:
"irracionalmente".